Professores, juízes, militares: quem são os mais de 50 mil alvos de expurgos pós-golpe na Turquia

Prisões e exonerações atingem pessoas supostamente ligadas a rival de Erdogan acusado de inspirar golpe, mas há suspeita de que governo aproveita momento para fazer ‘limpeza ideológica’ em posições chave na sociedade.

Após a tentativa fracassada de golpe na Turquia, o número de pessoas presas ou exoneradas na Turquia chama atenção. De juízes a professores, servidores a soldados, a lista é enorme. Há temores sobre o que acontecerá em seguida.

Quem está sendo atingido e por quê?
Assim que ficou claro que o golpe havia fracassado, a repressão começou – primeiro nas forças de segurança, depois por toda a estrutura civil da Turquia. Nas palavras de um colunista turco, foi um “contra-golpe” – uma limpeza do sistema, em estilo de golpe, com prisões, exonerações e demissões de dezenas de milhares de pessoas.

O objetivo expresso do presidente é “limpar todas as instituições do Estado”. E o alvo é o que ele chama de um “Estado paralelo”, um movimento encabeçado pelo clérigo Fethullah Gulen, arquirrival de Erdogan exilado nos EUA acusado de tramar o golpe.

Ninguém sabe realmente o tamanho deste movimento, mas seguidores de Gulen são suspeitos de se infiltrarem em postos próximos ao presidente, como o auxiliar chefe das Forças Armadas Ali Yazici e conselheiro militar Erkan Kivrak.

Um “grupo gulenista” nas Forças Armadas estava por trás do golpe, dizem autoridades turcas. E eles chegaram tão perto, diz o presidente, que estavam a 10 ou 15 minutos de sequestrá-lo ou assassiná-lo.


Quem está sendo exonerado?
A exoneração é tão extensa que poucos acreditam que não estivesse planejada com antecedência. E é improvável que todos na lista sejam gulenistas.

Cerca de 9 mil pessoas estão detidas e muitas outras perderam o emprego. Embora seja difícil conseguir detalhes precisos, esta é a lista atual:

7.500 soldados foram detidos, incluindo 85 generais e almirantes
8.000 policiais foram retirados de seus postos e 1.000 presos
3.000 integrantes do Judiciário, incluindo 1.481 juízes, foram suspensos
15.200 autoridades do Ministério da Educação perderam seus empregos
21.000 professores tiveram sua licença para trabalhar revogada
1.577 reitores de universidades tiveram que renunciar ao cargo
1.500 funcionários do Ministério das Finanças foram demitidos
492 clérigos, religiosos e professores de religião foram demitidos
393 funcionários do ministério de políticas sociais foram dispensados
257 integrantes da equipe do primeiro ministro foram demitidos
100 agentes de inteligência foram suspensos

Esta lista pode estar incompleta, porque a situação está mudando constantemente. Mas está claro que o expurgo afetou mais de 58 mil pessoas.

Soldados se renderam após ficar claro que tentativa de golpe fracassaria (Foto: REUTERS/Stringer )

Por que a educação?
O presidente Erdogan vê o crescimento da educação islâmica nas escolas e universidades turcas como uma missão pessoal.

Desde que seu partido com base islâmica chegou ao poder, em 2002, o número de crianças em escolas religiosas conhecidas como “Imam-Hatip” aumentou 90%. Ele disse repetidamente que quer criar uma “geração devota” e reformou a educação do Estado neste sentido.

Erdogan tenta reverter o fechamento de muitas escolas religiosas ocorrido após o último golpe na Turquia, em 1997, que ele comparou ao corte de uma artéria.

Ele também agiu para fechar escolas controladas por gulenistas fora da Turquia. Relatos daRomênia dizem que autoridades da Turquia ordenaram o fechamento de 11 delas, mas as escolas argumentam que estão sob jurisdição romena, e não turca.

Não está tão claro é por que reitores de universidades estão sendo atingidos. Há pouca probabilidade de que os oficiais que tiveram que deixar seus postos sejam gulenistas. Alguns fatos sugerem que uma renovação completa das 300 universidades turcas estaria sendo planejada.

Nesta quarta-feira, acadêmicos foram proibidos de viajar para o exterior. Os que estão no exterior receberam ordem para retornar.


E por que tantos funcionários públicos?
Isso pode remontar ao escândalo envolvendo concursos públicos em 2010. Houve suspeita de fraude quando mais de 3,2 pessoas foram aprovados com nota máxima, e de que elas teriam sido organizadas por gulenistas.

O expurgo pós-golpe pode ser uma tentativa de se livrar dos supostos fraudadores.

Outra possibilidade é que o governo esteja se livrando também de opositores da comunidade alevita turca, que tem cerca de 15 milhões de integrantes.

O partido governista da Turquia, o AKP, é predominantemente uma sigla muçulmano sunita apoiada por uma base islâmica. A seita alevita combina elementos xiitas com costumes folclóricos pré-islâmicos.


O que Erdogan fará em seguida?
Há suspeitas e temores disseminados sobre os planos do presidente. Ele deve fazer um grande anúncio nesta quarta-feira.

Alguns compararam o expurgo ao efeito do golpe militar de 12 de setembro de 1980. Mas, naquela ocasião, houve execuções e 600 mil detenções. Os fatos atuais são menos drásticos.

Há poucas chances de a lei marcial ser declarada, já que a imagem do Exército foi profundamente afetada pelo golpe fracassado.

Mas medidas de emergência podem ser consideradas. Detenções sem acusações formais podem ser estendidas e a demissão em massa de funcionários públicos não precisaria de aprovação do Parlamento.

A imposição de um toque de recolher parece improvável, já que é favorável para o governo ter seus simpatizantes com liberdade de movimento nas ruas à noite.

Outra possibilidade é a volta da pena de morte, após 12 anos.


Quem é este arquirrival de Erdogan?
O objetivo declarado do presidente Recep Tayyip Erdogan é se livrar dos seguidores de seu antigo aliado, o clérigo islâmico Fethullah Gulen, que virou seu arquirrival e se autoexilou nos EUA em 1999.

Gulen fez muitos inimigos mas também tem um grande número de seguidores, e eles são acusados de tramar o golpe. Acredita-se que os gulenistas, que adotam uma forma tolerante de islamismo, doem até 20% de sua renda para o movimento.

Eles tinham posições em todos os setores da sociedade turca e relatos locais dizem que alguns confessaram envolvimento na tentativa de golpe.

A ordem para o golpe, segundo um seguidor, teria vindo de um professor civil conhecido como “Big Brother”.