Ahmad Al-Khatib foi conduzido coercitivamente pela PF para depor sobre seus laços com detidos na ação
O xeque Ahmad Al-Khatib havia acordado cedo nesta quinta-feira. Eram 6 horas da manhã quando ele e sua mulher, ambosmuçulmanos praticantes, se preparavam para realizar a primeira oração do dia – conhecida como Salat Fajr – em uma das salas de sua residência, no bairro Jardim Santa Mena, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Antes que eles dessem início às preces voltadas para a cidade sagrada islâmica de Meca, na Arábia Saudita, foram interrompidos pela campainha. Ahmad abriu a porta e se deparou com um grupo de policiais federais, que apresentaram mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva – ele teria que acompanha-los até a sede da Polícia Federal, no aeroporto de Guarulhos. “Educadamente expliquei que devido à minha fé no islã precisava realizar a oração antes que me levassem”, disse o xeque. O grupo de agentes sentou-se em um sofá na sala e aguardou cerca de cinco minutos, até que Ahmad concluísse suas preces.
O xeque foi um dos alvos da Operação Hashtag, da Polícia Federal, que terminou com onze pessoas detidas por suspeita de planejar atentados terroristas durante a Olimpíada do Rio, que começa no dia 5 de agosto. Ahmad, que chegou ao Brasil vindo do Líbano como refugiado em 1989, entrou no radar das autoridades por ter entre seus ex-funcionários dois dos suspeitos: Vitor Barbosa Magalhães e Antonio Andrade dos Santos Junior. O xeque, dono de uma fábrica de móveis, é também responsável pela ONG Núcleo Islâmico Livro Aberto, que presta auxílio arefugiados sírios que chegam ao país. Aparelhos celulares, computadores e tablets de Ahmed, de sua família e de funcionários foram confiscados pela polícia – incluindo os telefones de cinco refugiados que trabalham na fábrica: “Eles estão abalados, têm medo do que possa acontecer. Já precisam lidar com o stress da guerra em seu país natal, e agora isso”.
“O Vitor e o Antônio [dois dos detidos na operação] acham que o Governo da Síria, do Bashar Al Assad, é mais terrorista do que o Estado Islâmico”, diz o xeque, citando em seguida as milhares de vítimas civis mortas pelas tropas leais a Assad. De acordo com ele, a “imensa maioria” dos sírios que foge do país o faz com medo do Governo, e não do grupo terrorista. Ele tem alguma autoridade no assunto: desde o início da crise no país árabe ele ajudou a acolher mais de 470 famílias de refugiados. “É uma questão delicada. Pergunte, por exemplo, a um morador da periferia de São Paulo o que ele prefere: o Primeiro Comando da Capital ou a Polícia Militar? Muitos dirão que preferem o PCC. Existem coisas erradas dos dois lados, e acho que o mesmo vale para o conflito na Síria”, diz Ahmad.
Na sede da PF no aeroporto, o xeque foi questionado sobre sua opinião com relação ao ataque terrorista reivindicado pelo EI na cidade francesa de Nice, na semana passada. “Respondi que obviamente não aprovava de maneira alguma este tipo de ação”, diz Ahmad. Para ele, todas as vítimas dos ataques “eram inocentes”, e o povo da França “não tem responsabilidade pelo eventual apoio de seu Governo ao regime opressor de Assad”. Segundo o xeque, os verdadeiros muçulmanos não querem “que nenhum ser vivo sofra”. Sobre a prisão de seus ex-funcionários e uma possível ameaça do grupo terrorista no país, ele se mostra cético: “Não existe essa história de radicalização no país”. “Vitor e Antônio são apenas simpatizantes do EI, nunca esconderam isso, basta ver na página do Facebook deles”, afirma.
Ahmad considerou a ação da Polícia Federal “precipitada”: “Se a polícia chamasse eles para depor, eles iriam de livre e espontânea vontade”. Ele não teme ser preso: “Não tenho o contato de nenhum terrorista em meu telefone celular e assistir a vídeos em redes sociais não é crime neste país”.